terça-feira, 20 de março de 2012

Orlando




Mas Orlando era mulher - Lord Palmerston acabava de o dar como provado. E quando se narra a vida de uma mulher, é ponto assente ser lícito prescindir das exigência de acção, substituindo-a pela do amor. O amor, disse o poeta, é toda a vida da mulher. E se contemplarmos por um instante Orlando sentada a escrever à sua mesa, teremos de confessar que jamais houve mulher mais talhada para tal vocação. Seguramente, uma vez que é mulher, e uma bela mulher, e uma  mulher na flor da idade, há-de abandonar em breve esta ambição de escrever e pensar, e começará a pensar nem que seja num guarda-caça (e contanto que seja num homem, ninguém se opõe a que uma mulher pense). E então escrever-lhe-á um bilhetinho ( e contanto que sejam bilhetinhos, também ninguém se opõe a que uma mulher escreva), marcando encontro para domingo ao entardecer; e chegará a tarde de domingo; e o guarda-caça virá assobiar debaixo da sua janela - sendo tudo isto, sem sombra de dúvida, a própria essência da vida e o único tema possível para a ficção. Orlando terá por certo feito alguma destas coisas. Ai de nós - mil vezes o dizemos, ai de nós: Orlando não fez nenhuma. Teremos de admitir que Orlando era um desses monstros de iniquidade que não amam? Era bondosa para os cães, fiel aos amigos, a generosidade em pessoa para uma dúzia de poetas famintos, tinha uma verdadeira paixão pela poesia. Mas o amor - tal como o definem os romancistas do sexo masculino - e haverá, afinal, quem fale com mais autoridade? - nada tem que ver com a bondade, a fidelidade, a generosidade ou a poesia. O amor é despir a saia e... Mas todos nós sabemos o que é o amor. E Orlando fez isso? A verdade manda-nos dizer que não fez, não senhor. Se por conseguinte o protagonista da nossa biografia não ama nem mata, mas apenas pensa e imagina, podemos concluir que ele ou ela está tão morto como um cadáver, e deixá-lo entregue à sua sorte.

Virginia Woolf, Orlando, Relógio d'Água Ed.

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